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QUEERBAITING E SEUS VAZIOS ROMANCES

  • Foto do escritor: elisaromeraf
    elisaromeraf
  • 21 de jun. de 2024
  • 6 min de leitura

Em um mar de vulnerabilidade LGBTQ+, as mídias produzem iscas a fim de fisgar o lucro.


Por Elisa Romera de Freitas


No dia 28 de março deste ano, um projeto de lei retrógrado chegou à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), buscando a proibição da veiculação de publicidade com pessoas LGBTQ+ ou famílias homoafetivas no estado de São Paulo. || Foto/Reprodução: Unsplash


Mais uma vez você se senta em frente a sua televisão para assistir ao novo episódio de seu seriado favorito. Cruza os dedos e torce para que, finalmente, aquele casal que você tanto gosta fique junto. Porém, como esperado, os flertes continuam e o romance, pelo contrário, nunca começa.


Não coincidentemente, os personagens que caracterizam essa clara tensão amorosa pouco desenvolvida costumam constituir alguma letra da sigla LGBTQ+.


Sherlock, Teen Wolf, Supernatural e até mesmo Glee são exemplos de seriados que exercem o chamado “queerbaiting”, termo criado diante dessa expectativa frustrada de se ver representado em um relacionamento “queer” televisionado. Mas por que as mídias fariam isso propositalmente?


O doutor em comunicação Leonardo Mozdzenski, formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em seu artigo “Queerbaiting ou publicidade inclusiva? Discutindo a representatividade LGBTQ em campanhas publicitárias online”, explica que essas tensões sexuais/românticas servem como uma “isca”, pretendendo fisgar o dinheiro da comunidade LGBTQ+, que é sedenta por representatividade.


Com a interminável esperança de uns e conservadorismo de outros, as produtoras lucram com os dois públicos, aproveitando-se, injustamente, de uma séria luta enfrentada por seus espectadores que clamam por apoio do outro lado da tela.



UMA LUTA INTERMINÁVEL


A luta pelo fim da homofobia é antiga, mas não está perto de terminar. Com a ascensão do cristianismo e judaísmo no Ocidente, religiões que regem os comportamentos e normas sociais por meio de seus respectivos moralismos, sustenta-se uma batalha contra a garantia dos direitos dos homossexuais.


Essa relação histórica é apontada pelo Mestre em comunicação Daniel Augusto de Souza em sua tese “A Representação da Comunidade LGBTQ+ em Vídeos Publicitários”, na qual também delimita as expressões dessa violência na atualidade:


“A perpetuação desse preconceito faz com que, atualmente, em 71 países, ainda seja considerado crime ter uma relação homossexual, seja ela qual for […]. A [pesquisa] mais recente é de maio de 2017, ainda considerava 72, mas com a descriminalização da homossexualidade na Índia em setembro de 2018 esse número diminuiu. Outro dado do estudo que merece atenção é o fato de que entre esses países há sete que preveem como penalidade para o ato de ser um LGBTQ+, seja sexual ou amoroso, a pena de morte”.

O PL 504/2020, da deputada estadual Marta Costa (PSD), foi apenas uma expressão preconceituosa dentre as muitas outras LGBTfobias apresentadas na Alesp. // Foto/Reprodução: Unsplash


Além desses assustadores números, Souza ainda destacou os diversos problemas de saúde apresentados por essa minoria social: “Os homens gays e bissexuais apresentam uma taxa maior em doenças psiquiátricas, sendo as mais comuns a depressão, a ansiedade, o pânico, os distúrbios de humor e os planos suicidas”.


Portanto, enquanto instrumentos de enorme influência, mídias como o cinema e a publicidade são exemplos perfeitos do impacto que uma ação irresponsável pode refletir drasticamente no âmbito social. Isso, pois, ambos buscam transmitir uma mensagem que induzirá ações e reflexões sobre o receptor.


“O objetivo de um comercial é vender, mas de forma intrínseca acaba por construir o imaginário na mente da sociedade, pois ali no audiovisual está representando um mundo que, muitas vezes, pode ser visto pelos consumidores como real ou ideal”, explica o Mestre em Comunicação.


O PREÇO PAGP PELAS "BELAS" PROPAGANDAS


Para aqueles que não o conhecem, apresento-vos ao pink money, que, em suma, é o poder de compra da comunidade LGBTQ+. Delimitando uma fatia do mercado, é alto e profundamente cobiçado.


Muito dessa segurança financeira vem daqueles que pertencem aos “Double Income No Kids” (DINKs), ou seja, casais que possuem renda dupla e não têm filhos. Para a presidente da Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes (Abrat GLS), Marta Dalla Chiesa, realmente se trata de um grupo de maior renda.


Souza aponta, ainda, o estudo de Kitt Carpenter, realizado na Universidade Vanderbilt em 2017, no qual foi comprovado que “homens homossexuais ganham em torno de 10% a mais do que os heterossexuais, isso dentro da faixa dos que possuem a mesma responsabilidade, perfil educativo, trabalho e anos de experiência próximos”.


A realidade é: em escalas globais, os “queers” representam uma importantíssima parte do capital.


“Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quanto mais alto o salário menor o percentual de heterossexuais e maior o número de casais homossexuais. Para ilustrar essa afirmação, os lares que ganham mais de 20 salários mínimos são 0,34% de heterossexuais e 1,4% de homossexuais, já nos mais pobres, em que o rendimento é de meio salário mínimo, há 9,2% de heterossexuais e 3,4% de homossexuais. Esses dados são do último censo realizado no Brasil, em 2010”, aponta Souza em seu artigo.

Claramente, essa realidade se mantém no Brasil. Inesquecível, a mundialmente famosa Parada do Orgulho LGBTQ+ de São Paulo contou com a presença das marcas Uber, Skol, Skyy Vodka, Burger King e Doritos no ano de 2018.


Dessa forma, é possível compreender o escalonamento de uma suposta representatividade do grupo nos meios de comunicação de massa. Mozdzenski explica em sua dissertação que, por questões mercadológicas, na pós-modernidade, tornou-se impossível ignorar a existência dessa minoria social, junta de seus simpatizantes.


Mas ninguém quer decepcionar aquela parcela populacional que exerce o preconceito, pois eles, inegavelmente, também possuem poder de compra, não é mesmo? Por isso, o queerbaiting, que nunca ameaça a “moral e os bons costumes”, é propagado amplamente, sem ameaçar o lucro.


Essa exata prática ocorre em abundância no meio publicitário, claro, com suas exceções. Como exemplo, Souza menciona a Apple que por vários anos consecutivos atingiu a nota máxima no Corporate Equality Index da Human Rights Campaign Foundation (HCR), comprovando que o ambiente de trabalho de suas empresas é inclusivo com LGBTs.



NAS TELAS DO CINEMA NÃO HÁ AMOR


Que a nossa cultura nos molda, já é consenso. Mas já parou para pensar que a indústria cinematográfica, por criar produtos culturais, também influencia quem somos?


Portanto, o filme, enquanto manifestação artística e entretenimento, atua como produtor ou reprodutor de realidades e exerce uma espécie de pedagogização.


Isso é defendido pelo Doutor em Educação, Arte e História da Cultura, Antón Castro Míguez, e pela Mestre em Letras, Estrella da Fonseca, no artigo “Tudo sobre minha mãe e algo sobre a teoria queer e o universo almodovariano: aproximações entre cinema e educação”.


Segundo os pesquisadores, essa mídia nos ensina “não só como nos vestir, comportar-nos, amar, odiar, viver, mas também, como ser homens e mulheres”, já que o gênero está mais próximo de uma performance que de uma essência humana. Portanto, essa construção identitária resulta, também, em uma educação sexual, definindo o que é normal, impróprio, adequado e desprezível.


Eles, ainda no artigo, também destacam a importância que os movimentos sociais feminista e LGBTQ+ tiveram sobre a desconstrução homofóbica com o passar do tempo do cinema que, finalmente, traz representatividade às telas.


Quer um exemplo? Ryan Evans, irmão da Sharpay em High School Musical, apresenta todos os estereótipos de um homossexual — caracterização essa que, obviamente é intencional -, porém, durante todos os três filmes da franquia, o garoto não se relaciona com colegas.


Imagem de divulgação do primeiro filme de High School Musical, utilizada pela Disney em que, dentre os homens, Ryan é o único com uma pose similar às das mulheres || Foto: Divulgação/Disney/High School Musical


Pense agora, no estereótipo de um vilão. Sempre solitários, sem parceiros românticos, muitas vezes estilosos e, claro, homens com traços de feminilidade e mulheres que operam certa masculinidade. Sei que com essa descrição, você conseguiu pensar em vários personagens da Disney: Scar, Hades, Jaffar, entre tantos outros.


Diante disso, Souza explica: “Podemos ver a tática como semelhante ao Pink Money, uma vez que aqui não é o dinheiro, mas sim a audiência, no entanto, o foco é o mesmo. As empresas acabam por querer apenas que o público LGBTQ+ dê, de alguma forma, lucro ou visibilidade para as companhias/empresas, sem realmente se preocupar com a causa ou dar apoio para a sua representação e inclusão”.



 
 
 

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