ENFRAQUECIMENTO DAS METANARRATIVAS INFLUENCIA A DIFUSÃO DE FAKE NEWS
- elisaromeraf
- 21 de jun. de 2024
- 4 min de leitura
Entenda como a decadência do termo filosófico e literário na contemporaneidade alavancou movimentos anticiência e compactuou com a pós-verdade.
Por Elisa Romera de Freitas
A difusão de inverdades em formato de notícias é algo crescente na contemporaneidade, assim como a falta de interesse em aprofundamento informativo dos consumidores de mídias relevantes. Quantas vezes você leu o título de uma notícia e contentou-se com aquelas breves palavras, considerando ter compreendido o assunto integralmente?
Como fruto da era pós-moderna, ascendem as tendências superficiais e imediatistas em função da estruturação capitalista e globalizada do mundo ocidental. Nesse contexto, ocorre a falta de compromisso com a verdade, relacionada à desvalorização do conhecimento científico e, consequentemente, das metanarrativas.
Como exemplifica o livro “O Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley um governo influenciava a população de forma massificada por meio de manipulações psicológicas e midiáticas, junto a ideia ilusória de liberdade. Nele, é tratada uma distopia expressivamente refletida na pós-modernidade em frases como esta:
“Não exatamente como gotas de água, conquanto esta, na verdade, seja capaz de cavar buracos no granito mais duro; mas, antes, como gotas de lacre derretido, gotas que aderem e se incorporam àquilo sobre o que caem, até que, finalmente, a rocha não seja mais que uma só massa escarlate.”
Esse é um dos principais pontos da obra, refletido na dinâmica das fake news: a repetição constante de ideias que, eventualmente, passam a ser consideradas verdadeiras, independente de sua fonte ou origem.
O ENFRAQUECIMENTO DA METANARRATIVA NA MODERNIDADE
O iluminismo foi a corrente ideológica e intelectual que marcou a era moderna. Com sua busca incansável pela razão, agiu de forma a libertar a burguesia e promover igualdade e fraternidade.
Entretanto as diversas teorias filosóficas e políticas difundidas no século XX, como o socialismo e o liberalismo, entraram em colapso, contrariando e desvalorizando o iluminismo perante as massas, imputando descrédito à busca pela epistemologia.
O filósofo Jean-François Lyotard, em sua obra “A condição pós-moderna”, conceitua essas linhas de pensamentos filosóficos e políticos com o termo “metanarrativas”.
Nela, o autor discorre sobre o abandono do pensamento científico, tendência advinda da decepção causada pela Primeira e Segunda Guerra Mundial, a Grande Depressão e a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que resultou na completa descrença das massas em relação ao discurso epistemológico abordado nessas correntes.
Esses processos histórico-sociais do século passado iniciaram um distanciamento massificado da Ciência, que passou a ser considerada uma metanarrativa.
A criticidade científica e acadêmica e as decepções ideológicas acarretaram na estruturação de uma sociedade pós-moderna cética em relação à possibilidade de políticas adequadas, adotando uma posição derrotista também quanto à Ciência.
Dessa forma, a pós-modernidade propiciou a tolerância popular em relação a revisionismos históricos, pseudociências e mitos, que assim como as fake news, ascendem exponencialmente devido a sua conveniência para o regime capitalista e globalizado da contemporaneidade.
A ERA DA PÓS-VERDADE E A COMUNICAÇÃO
O termo “pós-verdade” recebeu o título de palavra do ano pelo dicionário Oxford em 2016, que o designa como:
“Relativo a ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influenciadores na formação da opinião pública do que apelos à emoção ou à crença pessoal”.
A expressão é utilizada para caracterizar a contemporaneidade devido ao seu distanciamento da ciência no âmbito mundial.
Sua definição traz à tona o debate sobre a tendência global de discursos que promovem a alienação popular. A disseminação de desinformações em meio à população a torna incapacitada de exercer sua cidadania plenamente, afinal, seus ideais refletem as ilusões que lhe são apresentadas.
A dissertação acadêmica do Mestre em Filosofia Iron Mendes de Araujo e o Doutor em Educação Itamar Nunes da Silva, intitulada “A pós-modernidade e a morte das metanarrativas: um discurso de legitimação do capitalismo”, aborda esse distanciamento das grandes massas em relação à Ciência e sua conveniência no sistema capitalista.
A propagação de inverdades é, muitas vezes, interessante também na esfera política. No Brasil, um exemplo é a acusação enfrentada pelo presidente Jair Bolsonaro por meio de um inquérito no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O representante máximo do Executivo está sendo investigado devido à utilização de fake news durante o período de campanha eleitoral e sua disseminação ampla nas redes sociais, especialmente no Whatsapp.
A dimensão da propagação informativa na internet é um dos principais fatores de sustentação do pensamento anticiência. As redes sociais permitem a divulgação massiva de informações que não detêm comprovação científica ou não foram veiculadas por mídias confiáveis.
Assim, a internet promove o sentimento de rede e a criação de grupos que, entre si, compartilham ideias revisionistas e anticientíficas. Como exemplo, há o movimento terraplanista e antivacina.
A partir disso, são criadas redes de apoio mútuo que perpetuam a desinformação em uma onda completamente cética e avessa à ciência, a fim de fortalecer suas concepções individuais apenas pela conveniência.
COMO IDENTIFICAR AS INVERDADES E COMNATÊ-LAS
O combate às fake news deve iniciar-se pelo comprometimento dos cidadãos com a verdade científica e rejeição a qualquer proposta anticiência. Somente a partir de estudos acadêmicos comprovados é possível informar-se de maneira adequada e, portanto, o consumo de mídias sérias e relevantes é sempre uma maneira de garantir informações verdadeiras.
Outra forma de verificação é o uso dos diversos programas disponíveis para a averiguação de notícias falsas. Um exemplo é a Lupa, criada pela Folha de São Paulo, que atualiza constantemente sua página a partir de apurações jornalísticas que identificam a veracidade de narrativas.
Também é preciso se atentar ao consumo de informações disponibilizadas em redes sociais. O compartilhamento de notícias deve ser restrito a matérias que contenham fontes comprovadamente verdadeiras.
Atente-se também a argumentos de falsas autoridades. É sempre preciso averiguar a coerência acadêmica do discurso, para não cair na aderência de pseudociências revisionistas.
Já para não ser afetado pela pós-verdade, é necessário o consumo integral dos meios de comunicação. Leituras completas das matérias são essenciais e, se possível, o consumo de diversas mídias é recomendado. A reflexão acerca das informações oferecidas é imprescindível.
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