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ATIVISMO EMPRESARIAL COMO UMA FACETA DO NEOLIBERALISMO

  • Foto do escritor: elisaromeraf
    elisaromeraf
  • 21 de jun. de 2024
  • 5 min de leitura

As tendências mercadológicas e os seus discursos liberais, aparentemente emancipatórios, pela ótica da cientista política Nancy Fraser.


Por Elisa Romera de Freitas


“Se você não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dar dois lados de uma questão a preocupá-lo, dar-lhe uma. Melhor ainda, dar-lhe nenhuma”, é uma das muitas célebres citações da obra “Fahrenheit 451”, redigida pelo escritor Ray Bradbury.


Refletida no cenário político contemporâneo em que a desinformação é incentivada e utilizada a favor da alienação, o trecho relaciona-se profundamente com a nova tendência adotada pelas grandes corporações: a obrigatoriedade de um posicionamento político e social.


Contando, principalmente, com temas de sustentabilidade, apoio à Comunidade LGBTQ+, as lutas antirracistas e as feministas, diversas empresas nacionais e internacionais conquistaram um relevante apoio de seu público, ampliando, consequentemente, os seus consumidores.


Porém, assim como nas narrativas distorcidas pela distopia apresentada no livro “Fahrenheit 451”, o artigo da cientista política Nancy Fraser, denominado “From progressive Neoliberalism to Trump — and beyond” (“Do neoliberalismo progressista a Trump — e além”, em português) explora o caráter negativo atrelado ao ativismo pouco fundamentado de agências privadas que, invariavelmente, caem em conceitos neoliberais.


Como apontado pela autora, não é possível fortalecer um movimento social por meio de políticas liberais. Essa construção de ideias selecionadas a partir de interesses lucrativos e conveniências mercantis acarreta necessariamente na alienação popular por meio de propostas que acabam apenas enfraquecendo a teoria ativista, resultando, assim, em um mundo semelhante à distopia de Bradbury, em que todos acreditam conhecer a verdade, mas fazem parte de uma movimentação massiva em favor da ignorância.



CRISE POLÍTICA GLOBAL


Em seu artigo, Fraser disserta sobre uma crise política vivenciada de forma generalizada no mundo, caracterizada pela decadência da hegemonia. O termo “hegemonia”, utilizado pela autora ao referenciar Antonio Gramsci, consiste na definição de uma “classe dominante” que trata com naturalidade a sua posição de superioridade em relação às demais e impõe a pressuposição da sua perspectiva de mundo como a única aceitável.


O atual presidente dos Estados Unidos da América (EUA),Donald Trump, foi o estopim para o decaimento da certeza desses conceitos pré-estabelecidos, criando uma instabilidade crítica na política estadunidense e mundial.


As massas deixaram de acreditar unicamente no senso comum determinado a priori e passaram a acreditar em ideologias, lideranças e organizações alternativas, exatamente como foi proposto por Trump e, no Brasil, por Jair Bolsonaro.


A partir dessa crise, também foram englobadas crises de aspectos sociais, ecológicos e econômicos. Isso ocorre devido a “autodesestabilização” do capitalismo financeiro que, ao priorizar o lucro, prejudica a sustentabilidade e o meio social, restando ao Poder Público, unicamente, a responsabilidade de combate às crises que, segundo a cientista, são inerentes.


EVOLUÇÃO DO SOCIAL-LIBERALISMO

Inicialmente, é preciso mencionar um ponto importante apontado pelo sociólogo Karl Marx, em sua obra “O Capital”, acerca da capacidade do capitalismo de se reinventar, que implica na ocorrência inevitável de situações como a descrita por Fraser.


Sendo assim, por meio de uma mutação e aproximação entre o liberalismo e o progressismo, o neoliberalismo progressista tomou as rédeas da política estadunidense, tornando-se a hegemonia inicial citada pela cientista.


Esse processo ocorreu devido à necessidade encontrada pelo liberalismo de se adaptar às muitas exigências sociais moldadas pelo New Deal e pela revolução de direitos proposta pela esquerda. Assim, o neoliberalismo aderiu às causas sociais, mascarado-as ao associá-las às aspirações econômicas.


De acordo com a hegemonia, portanto, a única esquerda que detinha influência era a progressista, ou seja, uma vertente que flerta constantemente com diversos ideais da direita liberal, com ênfase na meritocracia.


Com isso, as políticas não priorizavam, ou sequer propunham, a luta de classes, caindo em um discursos de valorização apenas às minorias que “mereciam o reconhecimento”, sem a adesão de qualquer política pública de auxílio popular que demandasse prejuízo às grandes instituições privadas.


Nesse contexto, nasceu o social-liberalismo, que, assim como as telas interativas do “Fahrenheit 451”, servem como uma forma de manter a população confortável e entretida, com ilusão de controle. Assim, como apontou Montang, o protagonista da distopia:


“Temos tudo de que precisamos para ser felizes, mas não somos felizes. Alguma coisa está faltando”.


A vulnerabilidade do ativismo liberal progressista

Nancy Fraser, em sua obra, afirma que o progressismo tem como dever priorizar questões de cunho social e igualitário, entretanto, a maneira de pôr essas ações em prática por meio de uma “condescendência moralizadora”, ou seja, uma concordância quanto aos padrões éticos de uma sociedade, é pouco efetiva.


“Essa abordagem pressupõe uma visão superficial e inadequada dessas injustiças, exagerando grosseiramente a dimensão de que o problema está dentro das cabeças das pessoas e perdendo a profundidade das forças institucionais e estruturais que as subjuga”, afirma a cientista.


Além da superficialidade com que os temas são tratados em meio à militância empresarial, há a insegurança trazida pela instabilidade capitalista, defendida por Marx. Não há garantia de que esse meio de defesa social permaneça em vigor, afinal, invariavelmente, o mercado se adapta às políticas convenientes.


Não se pode, portanto, depositar a responsabilidade de tratar das questões sociais sobre o meio corporativo, pois ele não agirá de acordo com as necessidades populares, mas, sim, com as regras do capitalismo. Cabe como exemplo da instabilidade e insegurança da defesa social, a crise política global abordada por Fraser.


Essa polarização política, que levou à decadência hegemônica, ocorreu quando o neoliberalismo progressista passou a ser ameaçado pelo neoliberalismo reacionário, um momento marcado definitivamente pela vitória de Trump em 2016.


Sua eleição comprovou o colapso da hegemonia anterior e confirmou a ascensão de novas abordagens políticas, completamente contrárias a qualquer movimento social, sendo, veementemente, patriarcais, cristãs, anti-imigrantes, ufanistas, abertamente racistas e homofóbicas.


A cientista política afirma em seu artigo que: “embora afirmando promover os pequenos negócios e a manufatura, o verdadeiro projeto econômico do neoliberalismo reacionário estava centrado no apoio às finanças, à produção militar e à energia extrativa, tudo para beneficiar, sobretudo, os 1% global”


A oposição em defesa da esquerda e de programas assistenciais, resistente aos preconceitos e à violência social, entretanto, encontra-se corrompida e completamente fraturada.


Nos Estados Unidos, como Fraser explicita, há uma divisão do eleitorado entre os “Clintonistas” e os “Sanderistas”, tornando ambos os candidatos e, consequentemente, seus planos políticos, enfraquecidos. Há, assim, o declínio da única vertente capaz de aplicar medidas favoráveis às minorias.



O NEOLIBERALISMO DO GOVERNO BOLSONARO


A transição do neoliberalismo progressista para o reacionário foi, também, evidentemente marcada no Brasil, com o fim do governo petista para o atual de Bolsonaro.


O modelo de ativismo empresarial ainda persiste em empresas como a Magazine Luiza, que realizou um trainee exclusivo para negros para contratações no ano de 2021.


Já outras corporações, como o agronegócio, adotaram posturas bastante reacionárias. Enquanto no governo petista, em meio ao progressismo, a propaganda utilizada para atingir o público jovem partia do slogan “Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”; em 2020, as reações de extrema negligência governamental permitiram a ocorrência de diversas queimadas e invasões de terras preservadas, devastando biomas brasileiros.


A ocorrência dessas queimadas, como é apontado pela voluntária do Greenpeace Cristiane Mazzetti, em entrevista ao Mídia Ninja, é diretamente relacionada ao desmatamento: “segundo análise do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em 2019, 34% dos focos do ano caíram sobre áreas recém desmatadas, 30% como incêndios florestais, ou seja, em áreas que ainda são floresta e 36% para o manejo agropecuário”.


A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) determina a necessidade de adesão a sistemas agroflorestais e outros meios sustentáveis pelos agricultores que atuam no estado da Amazônia. Todavia, não há incentivo por parte do Poder Público ao uso dessas tecnologias, resultando na aplicação descuidada de práticas agropecuárias que envolvem o desmatamento ou as próprias queimadas.


Esses tipos de sacrifício ecológico e os demais sociais são realizados em favor do capitalismo financeiro. Assim, Fraser destaca a necessidade de se haver uma transformação estrutural no sistema:


“uma nova maneira de relacionar economia com política, produção com reprodução, sociedade humana com natureza não humana. Neoliberalismo em qualquer disfarce não é a solução, mas o problema”.


 
 
 

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